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Governo cobra 3,9 mil pessoas da RMC que receberam auxílio emergencial indevidamente

Benefício foi criado para garantir renda mínima aos brasileiros em vulnerabilidade durante a pandemia
  • Categoria: REGIONAL
  • Publicação: 18/10/2025 10:19
  • Autor: Fonte: Edimarcio A. Monteiro/edimarcio.augusto@rac.com.br

O governo federal começou a cobrar 3.911 pessoas da Região Metropolitana de Campinas (RMC) que receberam indevidamente R$ 11,28 milhões em auxílio emergencial durante a pandemia de covid-19, entre 2020 e 2021. O benefício foi criado para garantir renda mínima aos brasileiros em situação vulnerável durante a crise causada pelo coronavírus. Ele garantia o pagamento de R$ 600 mensais para até duas pessoas por família, totalizando R$ 1,2 mil. O auxílio foi pago para 191 mil pessoas apenas em Campinas em 2020, número que caiu para 41 mil no ano seguinte, de acordo com dados da Prefeitura. Agora, o governo cobra a devolução dos recursos enviados a 1.338 pessoas, somando R$ 3,78 milhões, sendo a cidade da região com o maior número de pleitos.

O número representa 0,7% dos moradores de Campinas que receberam no ano de lançamento do benefício. “Eles deveriam ter feito isso já no início. O governo tinha como cruzar os dados com o CPF da pessoa e ver quem realmente precisava”, disse Ana Paula Fernandes Veronezzi, moradora no Jardim Rosália 4. Após perder de uma vez três empregos, dois como cozinheira e uma como segurança, ela pediu o auxílio emergencial na época, mas não foi atendida. “Comecei a pedir comida para ter o que comer, pois estava recebendo apenas R$ 600 de auxílio-doença do INSS. Muita gente na favela estava passando necessidade e veio me procurar pedindo alimento”, lembrou. 

A demanda levou Paula Veronezzi a iniciar um trabalho voluntário de arrecadação e distribuição de cestas básicas, mantido até hoje. Ela foi transformada numa liderança de bairro. “Caiu de paraquedas por causa da pandemia”, contou. O trabalho foi estendido para outros bairros, como Canaã, Beira Rio e Parque Universal, e Paula passou a promover palestras sobre legislação, benefícios sociais. Hoje, entre as atividades, também há orientações para auxiliar as pessoas na busca por emprego. “Não adianta apenas matar a fome, tem que mostrar para as pessoas seus direitos, como receber benefícios, conseguir um trabalho”, explicou.

COBRANÇA

Devem restituir os valores as pessoas que apresentaram inconsistências nos critérios de elegibilidade, como vínculo formal de trabalho, recebimento de benefício previdenciário, Campinas é a cidade com maior número de pleitos renda familiar acima do limite permitido e outras situações que caracterizam pagamento indevido. As mensagens de cobrança estão sendo enviadas por SMS, WhatsApp, e-mail e pelo aplicativo Notifica, priorizando casos de maior valor ou maior capacidade de pagamento, conforme regras do decreto nº 10.990/2022. 

O pagamento deve ser feito pelo sistema Vejae, via PagTesouro, com as opções de Pix, cartão de crédito ou boleto bancário (GRU). O prazo de devolução é de 60 dias após o recebimento da notificação. O beneficiário indevido pode efetuar o ressarcimento do valor devido à vista ou de forma parcelada em até 60 vezes, sem juros ou multa, com a parcela mínima de R$ 50. “O sistema garante o direito de defesa, permitindo que o cidadão apresente recurso se discordar da cobrança. É importante que todos acessem a plataforma e verifiquem sua situação”, esclareceu a diretora do Departamento de Auxílios Descontinuados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Érica Feitosa.

O pedido deve ser apresentado com provas anexadas e é analisado em 30 dias. Caso a defesa seja indeferida, o prazo é de 45 dias para pagamento ou interposição de recurso. Quem não devolver o valor poderá ter o nome inscrito na Dívida Ativa da União e no Cadin (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados), além de ficar sujeito à negativação em órgãos de proteção ao crédito, como o Serasa e Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC). A inscrição na Dívida poderá levar à execução judicial da cobrança, com a pessoas correndo o risco de perder os seus bens através de leilão ou adjudicação (o bem penhorado é transferido diretamente para o credor).

ISENTOS

A devolução não se aplica a famílias em situação de vulnerabilidade. Ficam fora da cobrança os beneficiários do Bolsa Família, pessoas inscritas no Cadastro Único, quem recebeu menos de R$ 1,8 mil, e famílias com renda per capita de até dois salários mínimos (R$ 3.036) ou renda mensal total de até três mínimos (R$ 4.554). A dona de casa Inara Adrieli Sales Cancio recebeu o auxílio emergencial durante a pandemia. “Eu e o pai dos meus filhos perdemos o emprego na época. Foi o que ajudou a segurar o tranco, que foi feio”, lembrou. Ela recebeu cinco parcelas de R$ 1,2 mil.

Na RMC, cinco municípios não tiveram nenhuma cobrança de benefício recebido indevidamente, de acordo com os dados pelo Ministério do Desenvolvimento Social. São eles: Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Itatiba, Nova Odessa e Santa Bárbara d’Oeste. Além de Campinas, as cidades com maior número de irregularidades são Sumaré (664), Americana (405), Hortolândia (314), Indaiatuba (313), Valinhos (276) e Vinhedo (162).

Em todo o Brasil, as cobranças envolvem 177,4 mil pessoas, com a devolução reivindicada de R$ 478 milhões. São Paulo lidera o ranking nacional, com 55,2 mil famílias notificadas. Em seguida aparecem Minas Gerais (21,1 mil), Rio de Janeiro (13,26 mil) e Paraná (13,25 mil). O MDS também alertou que não envia links nem boletos por e-mail, SMS ou WhatsApp. Os cidadãos devem consultar a situação exclusivamente pelos canais oficiais do governo.

TIRA DÚVIDAS

Para o empreiteiro de obras Rubens Pereira Souza, as cobranças são devidas. “Eu conheço pessoas que fizeram o cadastro e não conseguiram o auxílio, mas outras receberam sem necessidade”, criticou. Ele disse não ter solicitado o benefício, pois não deixou de trabalhar durante a pandemia. “Eu trabalho desde os 9 anos de idade na roça, nunca pedi nada”, afirmou.

O ministério orienta que, em caso de dúvidas, o cidadão deve procurar a Ouvidoria pelo Disque Social 121 ou buscar informações nos canais oficiais, como o portal e as redes sociais do MDS. Segundo a Pasta, os pagamentos indevidos foram identificados a partir dos cruzamentos de dados entre diversas bases do governo federal.

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, há hipóteses em que a defesa ou o recurso é aceito, como quando comprovada atualização cadastral, erro em base de dados ou ocorrência de fraude. Nesses casos, o débito é cancelado. Entre as principais irregularidades de recebimento indevido estão emprego formal ativo, recebimento de benefício previdenciário ou assistencial, seguro-desemprego, benefício emergencial (Bem), rendimentos acima do limite legal, duplicidade de pagamento, recebimento por mais de duas pessoas da mesma família e renda familiar superior a três salários mínimos.

De acordo com o MDS, o pagamento de benefícios é uma forma de garantir renda para as pessoas que precisam. No caso do Bolsa Família, por exemplo, garante que crianças, adolescentes e gestantes tenham acesso a direitos fundamentais de saúde, educação e assistência social. “As condicionalidades são, antes de tudo, instrumentos de proteção social. Elas ajudam a garantir que as crianças cresçam saudáveis, frequentem a escola e tenham mais oportunidades de futuro”, defendeu a secretária nacional de Renda de Cidadania do MDS, Eliane Aquino.